Sou paulistano, de um bairro chamado Vila Anglo, uma quebrada que não fica na quebrada, entre a Vila Pompéia, Lapa e Vila Romana. Pouca coisa mudou na região de calçadas estreitas, ruas curvilíneas, vielas, escadarias e construções simples.
Ainda criança, deparei com uma foto do poeta Ferreira Gullar no jornal, que meu pai lia. Era quase adolescente, quando vi Gullar pela primeira vez caminhando por uma rua do Catete, no Rio de Janeiro, em frente ao hotel, onde eu estava hospedado com a minha família. “É ele.”, pensei. De volta à cidade, já com dezoito anos, o reconheci novamente, caminhando por uma rua em Copacabana. Resolvi segui-lo, sem pensar em abordá-lo. A regra daquele mundo era essa. Comecei a ler poesia por causa dele.
Com vinte e poucos anos, lancei um livro de poemas que foi enviado ao Ferreira Gullar. Um ano depois, ele justificou a demora pela resposta, explicando que seu escritório estava uma “bagunza”. Depois disso trocamos cartas. Numa delas lhe contei sobre a caminhada em Copacabana, indo atrás dele. Gullar achou graça.
A Arte Pau Brasil, uma livraria que não vendia best-sellers e funcionava apenas à noite na Bela Vista, foi fundamental em minha formação. Ali conheci livros e artistas de vários segmentos. As pessoas chegavam sozinhas para curtir toda aquela atmosfera, entre as prateleiras cobertas com um precioso acervo. Na mesma rua, havia o Cineclube do Bixiga e um clima de subversão poética na porta de cada bar. Comecei a compor nessa época (final dos anos 80).
Participei de algumas bandas como vocalista e compositor, que não chegaram a ter registro em disco. E gravei demos, que resultaram em algumas apresentações individuais. No entanto, espaços para repertório de rock foram desaparecendo. Cafés, pequenos palcos para apresentações de música e teatro, livrarias de rua e cineclubes tiveram o mesmo fim. Ainda na época em que estava na universidade, participei de um curta-metragem como ator. Para pagar as contas, me dediquei durante muito tempo ao jornalismo, escrevendo em diversas revistas.
Admirador dos Mutantes, dos quatro discos que Rita Lee gravou com o grupo Tutti Frutti, de algumas bandas oitentistas, como Ira, Titãs e Barão Vermelho, tive ainda Júlio Barroso como inspiração, por se tratar de um artista inquieto e extremamente original. Me dediquei a escrever letras de música por causa dele.
Sem lugar para tocar, numa época em que São Paulo tinha perdido seus espaços de controvérsia, me senti compelido a sair do Brasil. Nesse momento, eu tinha virado um homenzinho louco por não mais conseguir enxergar o mundo através da poesia e do humor. Primeiramente, fui viver em Lisboa, onde trabalhei numa agência de comunicação. Em seguida, passei uma temporada em Londres. Nesse período eu só tinha duas malas e um violão.
Ao retornar ao Brasil, voltei a trabalhar como repórter, compor e tocar com outras pessoas. Nessa época também participei do livro Teatro do Ornitorrinco, assinando o texto da obra que registrou os trinta anos de atividade do premiado grupo teatral paulistano. Em seguida, trabalhei no livro Tapa na Pantera, uma autobiografia não autorizada, realizando entrevistas com a atriz Maria Alice Vergueiro e redigindo o texto final.
Devido à crise do mercado editorial de revistas, abandonei o jornalismo para atuar no setor de audiovisual, onde passei a trabalhar como roteirista. Sou também autor do texto Joelho de Porco, O Musical, espetáculo teatral sobre a irreverente banda que fez muito sucesso nos anos 1970.
Assinei o prefácio de Nos bastidores do Pink Floyd (Mark Blake/ Ed. Évora). Traduzi e prefaciei A autobiografia de um Rolling Stone, do guitarrista Ron Wood. (Ron Wood/ Ed. Évora).
Simultaneamente a essas atividades, gravei o EP Desejos Furiosos com quatro músicas de minha autoria. Este trabalho rendeu alguns shows. Na seqüência, fiz uma participação como ator na série Sonhos de Abu (Canal Brasil).
Após a pandemia, passei a planejar meu novo trabalho. Era o momento de gravar um disco inteiro, após anos de dedicação ao rock. O disco Vai Dar Certo no Verão traz dez músicas de minha autoria. O trabalho, produzido pelo renomado guitarrista de blues Marcos Ottaviano, conta também como consagrado baixista Lee Marcucci e Mário Fabre (bateria). Amleto Barboni assina a mixagem e a masterização do álbum. E Edgard Scandurra faz uma participação especial tocando guitarra em uma das faixas.
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