Sou paulistano, de um bairro chamado Vila Anglo, uma quebrada que não fica na quebrada, entre a Vila Pompéia, Lapa e Vila Romana. Pouca coisa mudou na região de calçadas estreitas, ruas curvilíneas, vielas, escadarias e construções simples.
Fui um garoto classe média, criado num ambiente conservador. Ao terminar o colégio, destoei de muitos colegas que optaram por seguir a profissão de seus pais por imposição da família. Não foram poucos que caíram nessa armadilha. Alguns deles tornaram-se homenzinhos tristes antes dos trintas anos.
Ainda era criança, quando deparei com uma foto do poeta Ferreira Gullar no jornal, que meu pai lia. Comecei a ler poesia por causa dele. Eu tinha dez anos de idade quando o vi pela primeira vez caminhando por uma rua do Catete, no Rio de Janeiro, em frente a um hotel onde eu estava hospedado com a minha família. Oito anos depois, o segui durante uma tarde pelas ruas de Copacabana, sem pensar em abordá-lo. A regra desse mundo era essa.
Com vinte e poucos anos, lancei um livro de poemas que foi enviado ao Ferreira Gullar. Um ano depois, ele justificou a demora pela resposta, explicando que seu escritório estava uma “bagunza”. Depois disso trocamos cartas. Lhe contei sobre a caminhada em Copacabana atrás dele. Gullar achou graça. Senti muito sua partida. Nunca parei de escrever.
A Arte Pau Brasil, uma livraria que não vendia best-sellers e funcionava apenas à noite na Bela Vista, foi fundamental em minha formação. Ali conheci livros e artistas de vários segmentos. As pessoas chegavam sozinhas para curtir toda aquela atmosfera, entre as prateleiras cobertas com um precioso acervo. Na mesma rua, havia o Cineclube do Bixiga e um clima de subversão poética na porta de cada bar. Comecei a compor nessa época.
Participei de algumas bandas como vocalista e compositor, que não chegaram a ter registro em disco. Mas gravei demos, que resultaram em algumas apresentações individuais. No entanto, espaços para repertório de rock foram desaparecendo. Cafés, pequenos palcos, livrarias de rua e cineclubes tiveram o mesmo fim. Ainda na época em que estava na universidade, participei de um curta-metragem como ator.
Para pagar as contas, me dediquei durante muito tempo ao jornalismo. Escrevi em diversas revistas, entre elas a Exame e Viagem e Turismo, da Editora Abril. Cheguei a fazer uma reportagem com o fotógrafo Mauro Donato no Aeroporto de Guarulhos, onde permanecemos, interruptamente, durante vinte quatro horas para descortinar outros universos além de embarques e desembarques.
Sem lugar para tocar, numa época em que São Paulo tinha perdido seus espaços de controvérsia, me senti compelido a sair do Brasil. Nesse momento, eu tinha virado um homenzinho louco por não mais conseguir enxergar o mundo através da poesia e do humor. Primeiramente, fui viver em Lisboa, onde trabalhei numa agência de comunicação. Em seguida, passei uma temporada em Londres. Nesse período eu só tinha duas malas e um violão.
Ao retornar ao Brasil, voltei a trabalhar como repórter, compor e tocar com outras pessoas. Nessa época também participei do livro O Teatro do Ornitorrinco, assinando o texto da obra que registrou os trinta anos de atividade do premiado grupo teatral paulistano. Em seguida, trabalhei no livro Tapa na Pantera, Uma Autobiografia Não Autorizada, realizando entrevistas com a atriz Maria Alice Vergueiro e redigindo o texto final.
Devido à crise do mercado editorial de revistas, abandonei o jornalismo para atuar no setor de audiovisual, onde passei a trabalhar como roteirista. Ganhei um edital de desenvolvimento de uma série de ficção, escrevi vários projetos e assinei o roteiro de M.E.N.T.E.S (Arts & Entertainment/ A&E). Sou autor também do texto Joelho de Porco, O Musical, espetáculo teatral sobre a irreverente banda que fez muito sucesso nos anos 1970 (em fase de pré-produção). Nessa fase percebi que meu caminho era mesmo desenvolver um trabalho solo como compositor e cantor de rock. Para dar esse salto, fiz duas apresentações para testar meu novo repertório.
Continuei a trabalhar para o mercado editorial de livros. Assinei o prefácio de Nos bastidores do Pink Floyd (Mark Blake/ Ed. Évora). Traduzi e prefaciei A autobiografia de um Rolling Stone, do guitarrista Ron Wood. (Ron Wood/ Ed. Évora).
Simultaneamente a essas atividades, gravei o EP Desejos Furiosos com quatro músicas de minha autoria. Este trabalho rendeu alguns shows. Na seqüência, fiz uma participação como ator na série Sonhos de Abu (Canal Brasil).
Após a pandemia, passei a planejar meu novo trabalho. Era o momento de gravar um disco inteiro, após anos de dedicação ao rock. O disco Vai Dar Certo no Verão traz dez músicas de minha autoria. O trabalho, produzido pelo renomado guitarrista de blues Marcos Ottaviano, conta também como consagrado baixista Lee Marcucci e Mário Fabre (bateria). Amleto Barboni assina a mixagem e a masterização do álbum. E Edgard Scandurra faz uma participação especial tocando guitarra em uma das faixas.
© 2023. Guy Corrêa. Todos os direitos reservados